Estudo alerta para alta incidência de suicídio na adolescência
Dados são da Sociedade Brasileira de Pediatria
Cerca de mil crianças e adolescentes, na faixa etária entre
10 e 19 anos de idade, cometem suicídio no Brasil a cada ano, de acordo com a
série histórica levantada pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) entre
2012 e 2021. O dado se baseia em registros do Sistema de Informação sobre
Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde.
A presidente do Departamento Científico de Prevenção e
Enfrentamento das Causas Externas na Infância e Adolescência da SBP, Luci
Pfeiffer, disse que, “com certeza” há um número muito maior subnotificado. “São
aqueles casos [da criança ou adolescente] como se caísse, tomou remédio a mais,
e ali tinha o desejo de morte”, explicou a pediatra nesta quinta-feira (28)
à Agência Brasil.
Ao todo, no período pesquisado, o Brasil registrou 9.954
casos de suicídio ou morte por lesões autoprovocadas intencionalmente. “Todo
dia morrem três crianças por suicídio no Brasil”, disse Luci Pfeiffer,
alertando para a existência de todo um arsenal de estímulos nas redes sociais
de autoagressão e do suicídio como uma saída. “Daí a importância de se falar
sobre isso, dos sinais de alerta para procurar ajuda, “porque há um problema a
tratar”.
A maioria dos casos está consolidada entre os adolescentes.
Foram 8.391 óbitos (84,29%) na faixa etária de 15 a 19 anos; e 1.563 mortes
(15,71%) na faixa de 10 a 14 anos de idade. “Na verdade, até os 26 anos, é o
maior número de casos no país e no mundo também”.
Prevalência
De acordo com os números apurados pela SBP, a maior
prevalência de suicídio ocorre entre os jovens do sexo masculino. Ao longo da
série histórica, de 2012 a 2021, os rapazes representam mais que o dobro de
casos sendo homens 6.801 episódios (68,32%) e mulheres 3.153 (31,68%). Já pela
distribuição geográfica, os estados que apresentam as maiores taxas, englobando
meninos e meninas, são São Paulo (1.488), seguido de Minas Gerais (889); Rio
Grande do Sul (676); Paraná (649); e Amazonas (578).
Luci Pfeiffer disse que há uma falha grande nos registros
das tentativas de suicídio. “Dificilmente uma criança ou adolescente chega à
morte na primeira tentativa. E elas devem ser levadas muito a sério”, alerta.
Na avaliação da especialista, muitas famílias consideram
esses episódios como algo que a criança ou o jovem fez para chamar a atenção.
“De modo geral, são cometidas duas ou três tentativas até que eles consigam
chegar à morte. Por isso, nós teríamos ainda um tempo de prevenção secundária”.
Segundo a médica, as meninas são as que mais tentam o
suicídio, enquanto os meninos o fazem de forma mais eficiente e com
agressividade direta. Os pais, responsáveis, médicos e profissionais que
trabalham com a população pediátrica devem estar atentos aos primeiros sinais.
“Porque isso vem já de algum tempo”, observou a doutora.
Violência intrafamiliar
Segundo a especialista, existem fatores de risco muito
importantes como, por exemplo, a violência intrafamiliar, não apenas como
espancamentos. “Muitas vezes, os pais, sem perceber, agridem o filho com
palavras como “você não devia ter nascido”, “você é insuportável” ou “você não
serve para nada”. Isso acontece em todas as classes sociais. Existe uma
violência física que fatalmente coloca na criança ou adolescente a falta de
lugar, a falta de amor dos pais, que são pilares da personalidade”.
Luci Pfeiffer explicou que, hoje, há um enfraquecimento dos
vínculos reais entre pais e filhos. “Muitos pais só sabem que o filho está
desistindo da vida na primeira tentativa. Há sinais, contudo, que podem
despertar o alerta. Crianças tristes, que deixam de brincar, são um exemplo”.
“O desejo de morte vai fazer com que essa criança ou
adolescente cada vez se afaste dos seus pares, dos prazeres da vida, como
brincar, jogar, namorar, de ter colegas e amigos. Primeiro, há o isolamento e o
afastamento da família, depois isolamento dos seus pares, das fontes que dão
satisfação, até que, cada vez mais, eles buscam atitudes de risco. Aí, vêm as
autoagressões de muitas formas, como cortes, anorexia, bulimia”, alerta a
especialista.
De acordo com Luci Pfeiffer, a causa do suicídio de crianças
e adolescentes é multifatorial. Tem sempre algo da família, do desenvolvimento,
“e uma exigência excessiva de todos os cantos”.
“Atualmente, as mídias e redes sociais não só estimulam a
autoagressão, como colocam padrões de normalidade de pertencer a grupos com
exigências, a partir de crianças de 7 a 8 anos, como bater na professora, fazer
mais faltas no jogo de futebol. E essas exigências têm um contraponto de
família e escola, que leva a criança ou adolescente a tentar a morte porque não
suporta mais a dor de não ser importante para ninguém ou de não se sentir
importante”.
Esse isolamento leva à ideia de que o sofrimento acaba com a
morte. “Eu sempre pergunto para eles: quem garante? O que vai acontecer depois?
Não seria melhor lutar pela vida agora?”.
Luci Pfeiffer assegura que não existe nenhuma medicação no
mundo que tenha interrompido o caminho da violência, que é a autoagressão. O
bullying na escola já é o segundo passo para uma sequência de violência e para
a criança ou adolescente começar a pensar no suicídio como uma saída. “E aquilo
cresce como em um funil. Eles vão colocando a insatisfação dos pais e da
família, o fracasso na escola, o fracasso com os parceiros e com os pares, até
que eles entram na parte final do funil. Aí é bem mais rápido. Vão se
concentrando todas as possibilidades, até que eles planejam como morrer”.
Proteção
A presidente do Departamento Científico de Prevenção e Enfrentamento
das Causas Externas na Infância e Adolescência da SBP lamentou que não haja no
Brasil leis que protejam as crianças e adolescentes das mídias sociais, que
fazem um marketing de consumo e propiciam meios para o suicídio, embora isso
seja um crime pelo artigo 122 do Código Penal.
A recomendação da especialista é que, aos primeiros sinais,
a criança deve ser levada a um pediatra para uma avaliação geral, inclusive por
uma equipe interdisciplinar e por profissionais da saúde mental, como
psicólogo, psicanalista, psiquiatra, especialistas em infância e adolescência.
Como se trata, ao mesmo tempo, de uma violência, é preciso chamar também a rede
de proteção, coisa que, dificilmente, as pessoas fazem. A tentativa de suicídio
é de notificação obrigatória, destacou.
Frente a suspeitas de sofrimento psíquico, a rede de proteção, integrada pelo conjunto da escola, pais e unidades de assistência à saúde, como os Centros de Referência da Assistência Social (Cras) e Centros de Referência de Assistência Social (Creas), precisa ser acionada, independente do padrão econômico e sociocultural da família, para se saber que outras origens pode estar o desejo de morte. “E levantar o histórico desde a gravidez e do desejo do filho até para onde ele chegou. Os pais e a escola precisam buscar ajuda e acompanhamento médico, tanto de profissionais da saúde mental e do pediatra que coordene essa equipe interdisciplinar, para que a gente possa proteger o que nós temos de mais valioso, que é a vida de crianças e adolescentes”.
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